Jogo da Desgraça
Outro dia eu estava parada no terminal da linha de ônibus que pego diariamente para ir à faculdade onde estudo. Ao ouvir uma conversa entre duas cobradoras e uma vendedora, tive a confirmação de algo que já me tomava o pensamento há bastante tempo: hoje em dia, quem não sofre está fora da realidade, do planeta! Ter histórias dramáticas para contar virou quase uma forma de inclusão social! Explico melhor.
Uma das cobradoras, a quem vamos chamar pelo nome fictício Carla, contou o drama de sua prima. A prima da Carla não conseguia levar uma gravidez adiante e, quando finalmente conseguiu completar os nove meses de gestação e passar por uma sofrida cesariana, a criança morreu com menos de um mês de vida. A depressão tomou conta da vida da prima da Carla. Isto ocorreu há dois anos e, desde então, muitas sessões de terapia e dinheiro gasto com remédios tarja preta marcaram parte da vida da moça.
A vendedora, a quem chamaremos de Roberta, não podia ficar pra trás e, entre pausas que Carla realizava para tomar um gole de café, enquanto contava a história de sua prima, Roberta introduzia sua própria desgraça, numa mistura de relatos dramáticos, comparações e comentários. Regina também teve problemas, chegou quase ao fundo do poço e buscou ajuda psicológica.
Regina, a outra cobradora, se viu como uma maratonista, vendo seus adversários quilômetros a sua frente. Mesmo assim, não podia abandonar a corrida naquele momento. Não, desistir no meio da corrida, nunca! Sabia que não podia competir com a desgraça alheia que ali se apresentava, mas ainda era muito cedo para se retirar do jogo. Não podia ficar calada. Timidamente, falou que tomava florais. Carla e Roberta nem deram importância, mas pelo menos Regina ainda mostrava que estava no páreo.
Este é um jogo totalmente sem regras. Valem interrupções na fala do outro, seja para comentar ou perguntar algo, seja para falar de sua história, como se nem estivesse ouvindo o que o outro diz. Vale fingir também, ou em termos mais apropriados à jogatina, é permitido “blefar”. Os ouvintes fingem que estão prestando a atenção a tudo o que o emissor está enviando, quando, na verdade, apenas seus olhos fitam o desgraçado da vez. Sua mente trabalha incessantemente na busca de outras desgraças muito mais dolorosas, potentes, catastróficas para acabar com o adversário e deixá-lo horrorizado.
Não há exatamente um vencedor ao final do jogo na maioria das vezes. O que vale mesmo não é o fim, mas o durante, a batalha, a escolha das armas e do momento certo para atira-las. Porém, se alguém chorar ouvindo uma história sua ou simplesmente desistir de relatar algum acontecimento profundamente triste que tenha acontecido consigo, com o vizinho ou algum parente para prestar a atenção apenas no que VOCÊ tem a dizer... PARABÉNS! Você venceu o Jogo da Desgraça!
Mas não se iluda: vá pensando no próximo caso a ser contado, pois no dia seguinte o jogo recomeça.
Uma das cobradoras, a quem vamos chamar pelo nome fictício Carla, contou o drama de sua prima. A prima da Carla não conseguia levar uma gravidez adiante e, quando finalmente conseguiu completar os nove meses de gestação e passar por uma sofrida cesariana, a criança morreu com menos de um mês de vida. A depressão tomou conta da vida da prima da Carla. Isto ocorreu há dois anos e, desde então, muitas sessões de terapia e dinheiro gasto com remédios tarja preta marcaram parte da vida da moça.
A vendedora, a quem chamaremos de Roberta, não podia ficar pra trás e, entre pausas que Carla realizava para tomar um gole de café, enquanto contava a história de sua prima, Roberta introduzia sua própria desgraça, numa mistura de relatos dramáticos, comparações e comentários. Regina também teve problemas, chegou quase ao fundo do poço e buscou ajuda psicológica.
Regina, a outra cobradora, se viu como uma maratonista, vendo seus adversários quilômetros a sua frente. Mesmo assim, não podia abandonar a corrida naquele momento. Não, desistir no meio da corrida, nunca! Sabia que não podia competir com a desgraça alheia que ali se apresentava, mas ainda era muito cedo para se retirar do jogo. Não podia ficar calada. Timidamente, falou que tomava florais. Carla e Roberta nem deram importância, mas pelo menos Regina ainda mostrava que estava no páreo.
Este é um jogo totalmente sem regras. Valem interrupções na fala do outro, seja para comentar ou perguntar algo, seja para falar de sua história, como se nem estivesse ouvindo o que o outro diz. Vale fingir também, ou em termos mais apropriados à jogatina, é permitido “blefar”. Os ouvintes fingem que estão prestando a atenção a tudo o que o emissor está enviando, quando, na verdade, apenas seus olhos fitam o desgraçado da vez. Sua mente trabalha incessantemente na busca de outras desgraças muito mais dolorosas, potentes, catastróficas para acabar com o adversário e deixá-lo horrorizado.
Não há exatamente um vencedor ao final do jogo na maioria das vezes. O que vale mesmo não é o fim, mas o durante, a batalha, a escolha das armas e do momento certo para atira-las. Porém, se alguém chorar ouvindo uma história sua ou simplesmente desistir de relatar algum acontecimento profundamente triste que tenha acontecido consigo, com o vizinho ou algum parente para prestar a atenção apenas no que VOCÊ tem a dizer... PARABÉNS! Você venceu o Jogo da Desgraça!
Mas não se iluda: vá pensando no próximo caso a ser contado, pois no dia seguinte o jogo recomeça.